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Música Indígena - A Arte Vocal dos SUYÁ

Povo Suyá do Rio Xingu

Track NameMúsica Indígena - A Arte Vocal dos SUYÁ
00:00 / 01:04

Gravação de som realizada entre janeiro e março de 1972, agosto e setembro de 1976 e julho e setembro de 1978 por Judith e Anthony Seeger na Aldeia Suyá, no Parque Nacional do Xingú, no Mato Grosso (Microfone Uher M 517, gravadores Uher Report 4000 e 4400). Montagem da fita realizada no estúdio Tacape – Rio de Janeiro nos dias 9 e 10 de março de 1982. Matrizado na Continental, São Paulo, a 11 de março de 1982. Montagem e supervisão de edição: Conrado Silva. Fotografias: Judith e Anthony Seeger. Arte final: Luiz Carlos Chichierchio. Filmes de Polychrom, Produção: Comunidade Suyá e Anthony Seeger. Edições Tacape (Caixa Postal, 112 – 36300 – São João del Rei ) – Brasil - 1982

Capa e Encarte

Textos do Encarte

MUSICA INDÍGENA

A ARTE VOCAL DOS SUYÁ


TACAPE — Série Etnomusicologia — Estéreo — TO07


FACE A

Cantos Sazonais:

1 — Agachi ngere (canto da estação chuvosa)

2 — Kahran kasàg ngere (canto da seca)

Origem do Canto de Guerra:

3 — Canto e parte do mito em Português (Cuiussi)

4 — Parte do mito em Suyá (Petí)

5 — Canto no Eclipse

Música das Corridas de Tora:

6 — Agachi Ngere (canto das chuvas, para corrida)

7 — Ngwa Iaho (fala do buriti) (Peti)

8 — Chegada (Kogrere)

9 — Encerramento (Robndo)


FACE B

Cantos Estrangeiros:

1 — Judntí (do Alto Xingu)

2 — lamaricumã (do Alto Xingu)

Cantos Gritados: os Akia (canto gritado)

3 — Akia de Meninos

4 — Akia de Adultos

5 — Amto Ngere

Cantos de Cura: Sangere

6 — Três Sangere

7 — Agachi Tumu (canto de chegada)



MÚSICA INDÍGENA: A ARTE VOCAL DOS SUYÁ DO RIO XINGU


A música dos índios no Brasil é rica pela sua variedade e interesse potencial para músicos e leigos. Mas ela é praticamente desconhecida e difícil de ser encontrada. Este disco tem a intenção de trazer para uma audiência brasileira a arte vocal de uma das mais de cento e quarenta comunidades distintas: a dos Suyá do Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso. Em vez de ouvir uma mistura de diversas tradições, será possível apreciar a variedade de estilos, timbres e arte, encontrados numa única sociedade. Este disco é um dos resultados dos mais de 20 meses de convívio intenso com os índios Suyá num período de dez anos. Mais de 200 horas de gravação foram coletadas no decorrer de uma pesquisa antropológica e etnomusicológica, que se iniciou com a aprendizagem da língua Suyá, prosseguiu com o estudo da sua sociedade e cultura, e se desenvolve na direção de um estudo da sua música. No tempo que nós (eu, minha esposa Judith, e posteriormente nossas filhas Elizabeth e Hiléia) moramos e aprendemos junto aos Suyá, nós também aprendemos a cantar suas músicas e eles as nossas. Este disco representa mais do que um produto de impulsos eletrônicos numa fita magnética; é o resultado de um intenso intercâmbio musical entre músicos.


As gravações foram todas feitas em situações naturais: não houve ensaios, estúdios, ou apresentações especiais somente para gravação. Devido às características da música e dança Suyá, e do desempenho das suas festas, os microfones foram sempre utilizados manualmente. A escuridão, a poeira, o vento e o cansaço de quem cantava, inevitavelmente prejudicaram os aspectos técnicos da gravação. Os cantadores também "erraram" de vez em quando. Mas, em compensação, sabe-se que a música é assim mesmo: é música vivida, dançada, com o calor do desempenho e os tropeços inevitáveis da vida.


As seleções foram escolhidas para demonstrar como, e porque, os Suyá têm tanto orgulho da sua música e para dar uma ideia da sua variedade e importância.


ESTE DISCO FOI FEITO COM O CONHECIMENTO E APROVAÇÃO DOS SUYÁ.

AS MÚSICAS SÃO PRODUÇÕES ARTÍSTICAS DESSA SOCIEDADE.

OS DIREITOS AUTORAIS RETORNARÃO E DEVEM SER PAGOS: O USO INDEVIDO DESSAS MÚSICAS É PROIBIDO NÃO SOMENTE POR LEI, MAS POR FORÇA MORAL CONTRA A EXPLO-RAÇÃO DESSES ARTISTAS.


Anthony Seeger - Museu Nacional

FOTO DA CAPA: Homens Suyá cantando no pátio de sua aldeia




A DESCONHECIDA MÚSICA DOS ÍNDIOS NO BRASIL

Anthony Seeger

Museu Nacional

Rio de Janeiro


A música indígena do Brasil é muito pouco conhecida e de difícil acesso. Para os índios, a sua música tem uma grande importância não somente no seu passado, mas também para o SEU futuro: grupos indígenas estabelecem a sua identidade em parte através do seu canto. Para músicos e leigos, o conhecimento da música indígena pode trazer uma nova apreciação das dimensões da música, das suas formas diversas, organização e desempenho em geral. Este disco pretende preencher um vazio no nosso conhecimento da vida artística dos grupos indígenas neste país.


Há alguns estudos sobre a música indígena brasileira, como Corrêa de Azevedo (1938), Aytai (1976), Caiam (1977), Bastos (1978), Halmos (1979) e Seeger (1977, 1980a, 1980b), mas ainda sabemos pouco, coletamos pouco, e nem dispomos de uma sonoroteca dedicada à sua preservação. Assim como em outras áreas da cultura brasileira, a música indígena é melhor conhecida no exterior, onde já se produziu vários discos (para uma lista, ver discografia).


A música tem enorme importância na vida tradicional das sociedades indígenas. Ela aparece em muitas ocasiões, podendo ser tocada ou cantada diariamente durante horas, por meses a fio. Para essas sociedades, a música é parte fundamental da vida, não simplesmente uma de suas opções. O que nós relegamos a um segundo plano como optativo, ou "lazer", ocupa um lugar mais central na percepção dos grupos: formador da experiência social, parte integral das atividades de subsistência, garantia da continuidade social e cosmológica.


Certos preconceitos sobre a música indígena podem ser eliminados de imediato: a ilusão arcaica, a ilusão naturalista, a ilusão de simplicidade, a ilusão de tradição e a ilusão apocalíptica. Estas concepções erradas da música têm sua origem em parte nas dificuldades concretas em apreciar a música indígena que é, realmente, diferente da nossa. Obedece regras; mas regras essas diferentes em concepção das nossas. Existe uma arte no desempenho, mas uma arte difícil de se compreender.


Muitas vezes a música indígena é tornada como sendo "primitiva" no sentido de anterior em tempo, arquetípica da música ocidental; esta é a ilusão arcaica. As sociedades indígenas são também antigas, sua música representa um desenvolvimento de certos princípios musicais, e não há garantia de que seja semelhante à música ocidental pré-histórica. A ilusão naturalista vê nessa música uma maior aproximação da natureza; a música indígena seria um reflexo de imitação dos sons dos animais e pássaros (uma ideia muito corrente, e presente de uma maneira interessante no romance de Carpentier, Los Pasos Perdidos). Não há evidência para isso: em geral, os sons da música indígena são percebidos como imitando espíritos, ou seres sobrenaturais, e não animais do cotidiano escutável por homens comuns. A ilusão de simplicidade leva a crer que a música é simples por envolver poucos instrumentos, faltar harmonia e utilizar muitas repetições da mesma frase. Mas não é tão simples assim; sua complexidade reside noutros parâmetros, como se pode perceber nas seleções deste disco. A ilusão da tradição diz que os índios são sempre forçados a cantar a mesma coisa. Os Suyás cantam canções que eles dizem serem muito antigas; outras estão sendo sempre compostas. Nem presas a uma tradição, nem liberadas para uma improvisação constante, a sua música neste sentido não é tão diferente da nossa. A ilusão apocalíptica diz que a tradição musical dos índios é sem importância diante das ameaças às suas teorias e culturas. Os índios do Brasil hoje, ameaçados sempre com a perda de suas terras, estão tornando consciência da importância de suas próprias tradições. Não vão assim necessariamente parar de cantar. Nos Estados Unidos certos grupos indígenas procuram hoje em dia as sonorotecas, com o intuito de buscar suas tradições para revive-las. Uma parte do trabalho antropológico visa preservar para o futuro os documentos de hoje e estimular a sua apreciação.


Os índios Suyás


A sociedade Suyá é uma das 140 sociedades indígenas do Brasil. Os Suyá falam uma língua Jê e moram hoje numa única aldeia no Parque Indígena do Xingu, Estado do Mato Grosso. Atualmente com uma população de 130 pessoas, no passado eles eram bem mais numerosos e temidos por sua valentia e persistência em atacar as aldeias alheias na região do Alto Xingu. Em 1959 fizeram as pazes com uma expedição chefiada pelos irmãos Villas Boas e mudaram-se para uma aldeia perto do Posto Diauraum. Em 1970 foram juntados aos Suyá do Xingu os sobreviventes dos grupos Tapayuna, ou "Beiços de Pau" do Rio Arinos, que falam a mesma língua e cantam os mesmos tipos de música.


A sociedade Suyá é descrita em várias publicações (Seeger 1980a, 1981) e é semelhante aos Apinayé (descritos por Roberto Da Matta 1976) e aos Kraini (Melatti 1978). É importante notar que sua aldeia é circular, com uma esfera feminina ocupando as residências na periferia e uma esfera masculina localizada no pátio. Há também um contraste entre a vida doméstica, cotidiana, e a vida cerimonial. São os homens que cantam. Com poucas exceções as mulheres tomam parte na audiência ou atuam como dançarinas mudas nas festas Suyás. Os homens estão divididos por seus nomes e cantam não em grupos de parentes, mas em grupos cerimoniais de diversos tipos organizados pela nominação.


A tecnologia Suyá, adequada à sua subsistência, é relativamente simples comparada-com a nossa. Na sua música também, não há instrumentos musicais além de chocalhos. O que caracteriza a música é uma diversidade de timbres, os diferentes usos de tempo e estrutura sonora, e contrastes entre uníssono e cantos individuais. Uma "peça" ou evento musical pode durar uma noite inteira; um conjunto integrado de música pode durar meses. Em arte, não são os traços que faltam que são importantes, mas a que se faz com os recursos aproveitados: na entonação da voz, na presença ou ausência de chocalhos, nas mudanças de tempo e de timbre, nos glissando e nos gritos residem as indicações da estrutura musical, de qualidades individuais do intérprete e a arte da música Suyá.


Certas músicas Suyá são ditas muito antigas, uma herança pela tradição oral de um tempo "mítico", quando as coisas estavam ainda em vias de formação. Outras músicas são novas para cada festa: novas na sua melodia e letras, mas semelhantes na sua estrutura global. O "compositor" Suyá é um homem (ou raramente uma mulher) com poderes excepcionais de poder ouvir e entender a linguagem e a música de certas espécies de animais ou plantas, porque o seu espírito se encontra junto com esta espécie. Petí, especialista ritual da aldeia hoje, ficou muito doente quando jovem, e seu espírito foi levado por um bruxo até as árvores. Lá ele aprendeu os cantos das árvores e, quando se aproxima de uma festa, Petí anda na floresta e "ouve" as árvores. De volta à aldeia ele ensina as novas canções que ouviu. Mas não é o som das árvores que o não-iniciado ouve; é música com letras na linguagem Suyá, com estrutura fixa (ver Seeger 1981 :196-198). Assim é que os cantadores Suyá estão sempre aprendendo novas canções e certas canções antigas vão sendo paulatinamente esquecidas.


Além das músicas antigas e das novas "composições", os Suyá aprenderam muitas músicas de outras sociedades indígenas. Muitas foram aprendidas de pessoas raptadas dos grupos indígenas do Alto Xingu, ou em épocas de paz quando os grupos cantavam juntos. Outras foram aprendidas em tribos que não existem mais — extintas pelos ataques dos Suyá e de outros grupos — tais como os Manitsauã e Iarumã. Cantam, também, as canções de diversos etnólogos, médicos e outros não-índios que conheceram. Gostam de música vocal de muitos tipos, mas separam o que é "antigo Suyá" e o que é dos outros.


A organização deste disco é uma inovação em relação à modalidade tradicional, que consiste em apresentar seleções independentes, frequentemente de diversas tribos. Em vez de uma apresentação fragmentada, há uma tentativa de fornecer exemplos integrados. O disco começa com o final de uma canção diária da estação chuvosa, seguida por uma da estação seca. Segue com uma série de faixas sobre um mito que conta a origem de urna música, depois cantada no evento de um eclipse lunar por todos os homens. Há uma série de faixas ilustrativas das músicas das corridas de tora — desde o canto no início da pista de corrida até o canto da vitória, e finalmente o encerramento do ciclo de corridas anuais. No segundo lado, há duas canções aprendidas com os índios do Alto Xingu, seguidas por um grupo de faixas ilustrando o akia, um canto gritado individual e coletivamente. Após três cantos cura, o disco termina com uma canção final de festa. Cada faixa contém partes estruturalmente importantes, embora somente em alguns casos tenha sido possível incluir a canto total. Maiores esclarecimentos são dados a seguir; uma tradução aproximada das canções mais simples também foi feita, mas sem a tentativa de esclarecer o sentido e simbolismo das letras:


Cantos Sazonais. Os Suyá cantam certos gêneros de música em épocas fixas. Assim, o grupo de canções chamado agachi ngere deve ser cantado somente na época chuvosa (de outubro a março), enquanto o grupo de kahran kasâg ngere deve ser reservado para a época da seca (abril a setembro).


Faixa 1: Agachi ngere (canto da estação chuvosa) — Esta faixa apresenta o final da segunda parte de uma canção da época de chuvas e demonstra como neste gênero há uma coda (kuré) bem definida, e como acaba com três huuuuu. Os homens cantam sentados, somente um cantador, Petí, segura o chocalho. Um velho grita no estilo característico do seu grupo de idade. Foi gravada às 5,30 da manhã e durou aproximadamente meia hora. Uma tradução aproximada da letra seria:

"As abelhas da espécie sõsitintu sempre vão olhando. As mulheres viraram e ficaram olhando para onde as abelhas tem a sua colmeia".


Faixa 2: Kahran kasàg ngere (canto da estação seca) — Este exemplo, cantado na seca, começa com alguns sons específicos a este gênero ("engolir ar"), que indicam que vai começar um kahran kasàg ngere. Esta faixa inclui o início e algumas estrofes. A canção é nova e estava sendo cantada pela primeira vez. Os cantadores ficam de pé e cantaram nessa ocasião aproximadamente 20 minutos. Uma tradução aproximada seria:


"Quando nós chegamos, ele ficou com medo e foi embora."


A Origem da Canto de Guerra. As faixas 3 a 5 estão relacionadas a uma canção hoje entoada pelos homens no evento de um eclipse lunar ou solar e até recentemente antes de atacar um outro grupo. O mito de origem dessa canção, considerada antiga, conta como uma jovem iniciou uma relação incestuosa com seu irmão, que casou com ela. Ele tenta, posteriormente, matá-la, mas ela escapa e vira hermafrodita. Muito zangada não somente com seu marido/irmão, mas com todos os homens, ela incentiva todas as mulheres a deixarem a aldeia. Elas saem, levando somente suas filhas, e mais um menino que chora muito; levam-no para depois matar. Constroem um acampamento distante e planejam um ataque à aldeia dos homens, a fim de matar todos. Fabricam bordunas, arcos e ornamentos corporais e começam a cantar uma canção nova, cheia de belicosidade. O menino descobre os planos e escapa, correndo para avisar seu pai. As mulheres, alertadas com sua fuga, correm atrás. Chegam quase juntos à aldeia, e matam todos os homens presentes com exceção do menino (outros jovens, solteiros, estão caçando no mato). As mulheres então deixam a aldeia para sempre e os jovens misturam sangue do seu pênis com milho e jogam a mistura na água. Os peixes atraídos se transformam em mulheres e a vida continua. Os Suyá dizem que as "mulheres feias" fizeram sua aldeia no Leste; provavelmente foram mortas todas pelos brasileiros.


Faixa 3: Mito em português —Cuiussi conta COMO o menino escapa do buraco onde as mulheres o guardaram, e como elas correram atrás do menino para a aldeia dos homens, onde mataram todos. Essa versão do mito durou aproximadamente quinze minutos e foi gravada em 1971. Uma parte da canção é cantada, como está quando contam a estória para os seus filhos.


Faixa 4: Mito em Suyá — Petí conta o mesmo trecho do mito, mas desta vez na língua Suará. Ele demonstra a arte de contar mitos, com o uso da voz num rito de fala especial. Sua versão durou aproximadamente 45 minutos.


Faixa 5: Eclipse — Num eclipse lunar, os homens congregam-se no pátio e cantam esta canção para indicar a sua belicosidade e, em certa medida, para fazer a lua voltar. A mesma canção foi entoada tradicionalmente antes de atacarem inimigos. A peça total, de umas 17 estrofes, durou aproximadamente uma hora e meia. Aqui é apresentado o início de um eclipse: os homens reunidos, frios, gripados, ouvem a "fala agressiva" (fala de homem zangado) de Cuiussi, que diz que a lua morre porque os Suyá são moles e não agressivos como seus antepassados. Depois, começam a cantar em uníssono o que foi cantado no decorrer do mito (faixa 3). Uma tradução aproximada seria:


(primeira estrofe, antes dos gritos):"bananeira braba alta".

(segunda estrofe, antes dos últimos gritos): "Meu mutum quebrou a sua perna."


Música das corridas. As corridas de tora são praticadas por todos os Jê setentrionais e centrais, com exceção dos grupos Kayapó, e formam um complexo ritual extremamente importante. Entre os Suyá, as corridas são do tipo revezamento, restritas à época das chuvas, e encerram-se na época do milho verde (fevereiro-março). As toras são feitas pela divisão de um tronco, geralmente de buriti, em duas partes. Os times são compostos por nominação; cada time (chamado em antropologia de "metade cerimonial") carrega metade do tronco até o pátio da aldeia em esquema de revezamento. Na aldeia cantam-se outras canções. Há uma grande competição para ganhar a corrida, mas o ideal é que os dois times cheguem juntos ao pátio.


Faixa 6: Agachi ngere (canto da estação chuvosa para corrida de buriti) - Em vez de cantar em uníssono, nesta apresentação do agachi ngere as duas metades cerimoniais cantam separadamente no sido da pista de corrida. Quando acabam de cantar, uma metade desafia a outra, e a corrida é combinada. Um velho dá o grito característico do seu grupo de idade. O tempo total é de aproximadamente vinte minutos e a tradução da letra seria:

"O espírito pegou a tora de buriti e levou-a correndo."


Faixa 7: Ngwa laho. Invocação do Buriti - Com algumas pessoas no início da pista de corrida e as outras espaçadas ao longo da pista, os corredores estão prontos. O especialista ritual, Peti, canta uma invocação do buriti para ficar leve e não machucar ninguém. No final do canto, o último pedaço do tronco que junta as toras é cortado e os times levantam as toras e começam a corrida, gritando. A peça está completa, e pode ser chamada também ngwa iangrò.


Faixa 8: Chegada - Depois da corrida, os corredores vão até à casa dos homens no pátio. Em corridas importantes, cada um declara se venceu ou não. Este homem declara "cheguei na frente" e depois canta.


Faixa 9: Encerramento da estação de corridas: O encerramento da estação de corridas é frequentemente feito com uma "fala-cantada' (iaren). Aqui, um homem chamado Robndo sai da casa onde foi enfeitado, cantando uma akia especial. (Ver foto). Uma tradução desta canção seria "Pintou sua cara e cantou o ngàtuyi iaren andando." Seus parentes femininos na casa choram quando ele sai, lembrando os mortos. O homem é depois instruído por Petí sobre como proceder e vai cantando para a casa dos homens, onde começa a entoar o ngatuyi iaren ou "fala-cantada dos moços". Especificamente, instrui os parentes dos jovens a prepararem os ornamentos necessários aos ritos de iniciação.



LADO DOIS

Cantos estrangeiros. Os Suyá aprenderam muitas canções de outras tribos e elas são hoje parte importante na atividade ritual da aldeia.


Faixa 1: Judnti (beija-flor) - Esta é uma das muitas músicas da festa Judnti ou "Festa do Beija-Flor", aprendida dos índios do Alto Xingu. Gravada por volta das 4,30h numa manhã de frio e escuridão, a gravação é completa e demonstra a maneira como se inicia este tipo de canto, entoado dentro das casas. O cantador principal, Petí, começa. Os outros homens entram mais tarde. As mulheres estão, de início, ainda se agrupando - pode-se ouvir urgentemente (em Suyá): "Rápido! Vem cá! Vamos começar!" - e depois cantam. Depois do grito final, saem da casa e vão cantar noutra casa. Cantam diversas canções durante um período de aproximadamente duas ou três horas.


Faixa 2: lamaricumã. - Aprendida de mulheres capturadas das tribos do Alto Xingu, esta festa é exclusivamente feminina. Tomou o lugar de outras festas femininas tradicionais dos Suyá. Como o Judnti, lamaricumã tem muitas canções, das quais aqui se ouve somente duas.


Faixa 3: Akia de Meninos - Os meninos começam a cantar akia cedo, mas de uma forma simplificada, de linha melódica curta. Considerados "feios" pelos adultos, esses cantos fazem parte da aprendizagem dos meninos - sendo que estes não cantam os ngere que requerem uníssono. Esta akia foi gravada na "festa do rato", em 1976, num momento em que cada menino canta uma estrofe da sua akia uma vez, e posteriormente todos cantaram juntos, num tipo de ensaio geral que se repetia quase todas as tardes no período cerimonial. Como exemplo das letras, um dos meninos canta "(nome de um rato pequeno) sacode a sua cria, sacode a sua cria, eu o vi, te-te-te-te (etc)."


Akias: as canções gritadas. A akia é um canto típico dos Suyá. Dizem que somente eles cantam este tipo de música. Descrita em detalhe em trabalhos anteriores (Seeger 1977 e 1980b), a akia é um canto individual, aprendido pelos "compositores", e cantado individualmente ou em grupos. Todas têm estruturas melódicas e de seções bastante semelhantes, mas a maneira de cantar varia com a idade e até certo ponto com as atitudes individuais (Seeger 1980b).


Faixa 4: Akia dos homens adultos - Os homens adultos, também ensaiam suas akia antes de cantarem em grupo. Esta gravação, feita num acampamento distante da aldeia, na "festa do veado campeiro" ou Bôchi ngere, ilustra dois tipos de akia. O primeiro cantador, Robndo, canta uma akia antiga, do seu tio materno. Esta foi transcrita em Seeger 1980b (p. 15-16) e a tradução aproximada é "As abelhas kuknãti olham a sua colmeia vão lá e cantam, te-te-te".

O segundo cantador, Uetagú, está cantando sua akia pela primeira vez. Ele canta "Curimata, sacudimos nossas barbatanas (máscaras de dançar), Curimata, sacudimos nossas barbatanas. Sacudimos nossas barbatanas na festa do rato. Te-te-te-te-te, etc."

No trecho em que todos os homens cantam juntos, gravado no mesmo acampamento algumas horas depois, é possível ouvir Robndo e Uetagü cantando. É assim que os Suyá escutam as akia: procuram os cantos individuais. Cada cantador quer ser ouvido e canta com força.


Faixa 5: Amto Ngere - Esta é uma das canções em uníssono da "festa do rato". Depois de iniciar as akia por volta das 15,00 horas, os homens cantam esta ngere em cada casa principal aproximadamente às 22,00 horas. Cantam uma outra ngere depois da meia noite e continuam a cantar as akia até o amanhecer. O contraste entre as canções em uníssono e as akia fica muito claro neste número, que é completo. A tradução é: "O veado campeiro de perna preta virou barbante e pulou em cima."


Faixa 6: Cantos da Cura (sangere) O sangere é um tipo de "reza" que é entoada rapidamente e em voz baixa. É usado tanto para fortalecer pessoas sãs, quanto para tratar de doenças. Recolhi um cinquenta, todos com letras altamente metafóricas. Cada um cita uma espécie de animal, planta ou coisa que possui um traço que se deseja para o cliente: fôlego, recuperação rápida, parto fácil, etc. No primeiro sangere, entoado por Robndo, o jacaré é invocado para fazer cessar as convulsões numa criança pequena. O jacaré é conhecido por poder ficar deitado na água sem tremer. O segundo, cantado por Peti, cita um peixe grande e forte, para fazer com que os clientes fiquem assim, fortes como o peixe. O terceiro, de novo cantado por Robndo, é para facilitar o parto de uma mulher. Cita um peixe pequeno que escapole das mãos; assim deve o neném sair do ventre da mãe. Sangere são descritos, e o primeiro destes aqui traduzido, em Seeger 1981: 212-219.


Faixa 7: Agachi tumu. Canção de Fim da Festa - Esta última canção é um canto individual de chegada. É cantada em diversas ocasiões por homens adultos. Esta gravação foi feita na volta coletiva dos homens, remando uma frota de canoas, para a aldeia, depois de duas noites consecutivas de dançar, cantar e remar relacionados à "festa do veado campeiro". Cada homem canta uma canção diferente, cansado. A correnteza carrega as canoas, e pode-se ouvir o som das águas nos remos dos cantadores guiando as canoas enquanto cantam.



AGRADECIMENTOS


A pesquisa sabre os índios Suyá e sua música foi financiada por diversas agências: inicialmente (1970-1973) pelo National Institute of General Medical Sciences (NIGMS), através da Universidade de Chicago, e posteriormente (1975-1981) através da Ford Foundation do Brasil, a Wenner-Gren Foundation de Nova York, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (CPEG), o Social Science Research Council de Nova York e a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). A Força Aérea Brasileira e a Fundação Nacional do Índio em diversas ocasiões forneceram transporte. Os Diretores do Parque Indígena do Xingu, Orlando e Claudio Villas-Boas, Olympio Serra e Francisco de Assis da Silva, bem como o Chefe do Posto Diauarum, Mairawe Kayabi, em muito ajudaram meu projeto. Os cantadores principais que aparecem neste disco são: Petí, especialista ritual dos Suyá, Robndo, homem sábio, e Cuiussi, o capitão. Agradeço a essas pessoas e instituições, assim como agradeço também a ajuda de todos os Suyá durante os quase dois anos que moramos juntos, eles ensinando-me e todos nós cantando juntos.


BIBLIOGRAFIA

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BASTOS, R. 1978 - A musicológica Kamayurá Para uma antropologia de comunicação no Alto Xingu. Brasília: Fundação Nacional do Índio.

CAMÉU, H. 1977 - Introdução ao Estudo da Música Indígena Brasileira. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura e Departamento de Assuntos Culturais.

DA MATTA, R. 1976 - Um Mundo Dividido. Petrópolis: Vozes.

HALMOS, I. 1979 - "The Music of the Nambicuara Indians (Mato Grosso, Brazil) ". Acta Ethnographica Scientiarum Hungaricae, Tomus 28 (1.4), pp. 205-350. Buda-pest :Akademiai Kiado.

MELATTI, J. C. 1978 - Ritos de uma Tribo Timbira. Ensaios, nº 53. São Paulo:Editora Ática.

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SEEGER, A. 1980a - Os Índios e Nós. Rio de Janeiro: Editora Campus.

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Discografia da Mímica Indígena Brasileira

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12. Xingu: Contos e Ritmos. Phillips 6349-022. Rio de Janeiro: Phonogram.

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